Post by Abssynto on Nov 2, 2004 23:23:33 GMT -5
E O DIABO DISSE.
Uma vez deu na minha cabeça que eu queria conversar com Deus.
Eu queria falar diretamente com Ele. Afinal, tem tanta gente por aí que se diz em contato direto com Ele, então...
Segui todas as instruções que me mandaram: orei muito, ajoelhei bastante, juntei as mãos, fiz jejum, não fiz sexo, tive pensamentos puros, fiz caridade, peregrinação, etc.
Mas Deus não falou comigo.
O pastor disse que eu precisava me dedicar mais. Que só pelo esforço e pela fé eu alcançaria Deus.
Me esforcei mais, tive mais fé e, em dado momento, consegui com que as pedras do chão e as árvores e os animais falassem comigo.
Mas Deus não falou comigo.
O pastor ia dizer o que eu deveria fazer, mas percebi que era em vão.
Deus não dava bola pra mim.
Saí da igreja e decidi que se Deus não falava comigo, quem sabe o Diabo fosse falar.
Entenda: não foi birra minha. Foi mais como se você fosse a uma grande empresa, querendo falar com o presidente. Como o presidente não atendia, eu fui falar com o concorrente dele.
Passei a peregrinar por diversas seitas consideradas de magia negra, bruxaria e congêneres.
No começo foi legal, porque eles não eram assim tão diferentes da igreja aonde eu ia: os cultos eram cheios de gritos e berros, o pregador também gostava de beber e o pessoal se achava sempre certo.
Até mesmo as orgias eram bastante semelhantes.
Mas nada do Diabo aparecer.
Por indicação de um amigo, eu soube de um pajé que morava no fim do mundo, e que podia chamar o Diabo.
Viajei até a beira do mundo e encontrei a aldeiazinha aonde o pajé morava.
Era um lugar bonito, cheio de sol e montanhas verdes. A tribo era saudável, forte e amigável, e faziam anos que não viam um homem branco como eu.
O pajé me recebeu muito bem em sua palafita sobre um rio de águas serenas e escuras.
Expliquei para ele o que queria e, entre goles de cachaça e tragadas de cigarro de palha, ele me disse que poderia invocar um dos afiliados do Diabo. Mas que para se chegar ao Diabo, ia ser difícil.
Insisti: eu queria falar com o Diabo mesmo.
O pajé coçou o rosto sem barba e acabou concordando.
Na noite seguinte prosseguimos até um lugar especial.
No meio da mata, dentro de uma clareira, o pajé fez um ritual complicado e que me parceu sem sentido, com muita carne de paca, peixe, ossos e penas de pássaros.
Ele cantou e dançou e bateu em um tambor.
De repente a mata ficou em silêncio e o ar parou.
Do meio do mato veio saindo um homem todo de roupa vermelha, parecia um terno, mas não era. Era um manto colado no corpo dele.
Seu rosto era de europeu queimado de sol, tinha barba e cavanhaque, uma cartola vermelha e uma bengala.
O pajé se ajoelhou e enfiou a testa na terra, tremendo como vara-verde.
"Eu sou o Rei do Inferno", disse ele. "É você quem quer falar comigo?"
Eu respondi que sim. Agradeci imensamente a oportunidade e ele, apesar de meio bravo na aparência, me pareceu bastante gentil e simpático.
Perguntei ao Diabo porque Deus não queria falar comigo. Expliquei para Ele que eu havia seguido todas as regras, fiz tudo o que me mandaram mas nada de Deus me responder.
O Diabo olhou-me com um rosto que parecia ser a mistura perfeita de espanto, raiva e pena. Até que ele olhou para o chão e me disse:
"Deus não fala nem comigo, rapaz. Deus não fala com ninguém."
Quando ele ergueu os olhos, percebi que o Diabo chorava.
O Diabo balançou a cabeça e voltou para o meio do mato, sumindo na escuridão, deixando alguns pequenos pontos luminosos no chão: eram as suas lágrimas brilhantes como diamantes polidos.
Uma vez deu na minha cabeça que eu queria conversar com Deus.
Eu queria falar diretamente com Ele. Afinal, tem tanta gente por aí que se diz em contato direto com Ele, então...
Segui todas as instruções que me mandaram: orei muito, ajoelhei bastante, juntei as mãos, fiz jejum, não fiz sexo, tive pensamentos puros, fiz caridade, peregrinação, etc.
Mas Deus não falou comigo.
O pastor disse que eu precisava me dedicar mais. Que só pelo esforço e pela fé eu alcançaria Deus.
Me esforcei mais, tive mais fé e, em dado momento, consegui com que as pedras do chão e as árvores e os animais falassem comigo.
Mas Deus não falou comigo.
O pastor ia dizer o que eu deveria fazer, mas percebi que era em vão.
Deus não dava bola pra mim.
Saí da igreja e decidi que se Deus não falava comigo, quem sabe o Diabo fosse falar.
Entenda: não foi birra minha. Foi mais como se você fosse a uma grande empresa, querendo falar com o presidente. Como o presidente não atendia, eu fui falar com o concorrente dele.
Passei a peregrinar por diversas seitas consideradas de magia negra, bruxaria e congêneres.
No começo foi legal, porque eles não eram assim tão diferentes da igreja aonde eu ia: os cultos eram cheios de gritos e berros, o pregador também gostava de beber e o pessoal se achava sempre certo.
Até mesmo as orgias eram bastante semelhantes.
Mas nada do Diabo aparecer.
Por indicação de um amigo, eu soube de um pajé que morava no fim do mundo, e que podia chamar o Diabo.
Viajei até a beira do mundo e encontrei a aldeiazinha aonde o pajé morava.
Era um lugar bonito, cheio de sol e montanhas verdes. A tribo era saudável, forte e amigável, e faziam anos que não viam um homem branco como eu.
O pajé me recebeu muito bem em sua palafita sobre um rio de águas serenas e escuras.
Expliquei para ele o que queria e, entre goles de cachaça e tragadas de cigarro de palha, ele me disse que poderia invocar um dos afiliados do Diabo. Mas que para se chegar ao Diabo, ia ser difícil.
Insisti: eu queria falar com o Diabo mesmo.
O pajé coçou o rosto sem barba e acabou concordando.
Na noite seguinte prosseguimos até um lugar especial.
No meio da mata, dentro de uma clareira, o pajé fez um ritual complicado e que me parceu sem sentido, com muita carne de paca, peixe, ossos e penas de pássaros.
Ele cantou e dançou e bateu em um tambor.
De repente a mata ficou em silêncio e o ar parou.
Do meio do mato veio saindo um homem todo de roupa vermelha, parecia um terno, mas não era. Era um manto colado no corpo dele.
Seu rosto era de europeu queimado de sol, tinha barba e cavanhaque, uma cartola vermelha e uma bengala.
O pajé se ajoelhou e enfiou a testa na terra, tremendo como vara-verde.
"Eu sou o Rei do Inferno", disse ele. "É você quem quer falar comigo?"
Eu respondi que sim. Agradeci imensamente a oportunidade e ele, apesar de meio bravo na aparência, me pareceu bastante gentil e simpático.
Perguntei ao Diabo porque Deus não queria falar comigo. Expliquei para Ele que eu havia seguido todas as regras, fiz tudo o que me mandaram mas nada de Deus me responder.
O Diabo olhou-me com um rosto que parecia ser a mistura perfeita de espanto, raiva e pena. Até que ele olhou para o chão e me disse:
"Deus não fala nem comigo, rapaz. Deus não fala com ninguém."
Quando ele ergueu os olhos, percebi que o Diabo chorava.
O Diabo balançou a cabeça e voltou para o meio do mato, sumindo na escuridão, deixando alguns pequenos pontos luminosos no chão: eram as suas lágrimas brilhantes como diamantes polidos.